terça-feira, setembro 12, 2006

Reabilitar a quem???

Há um pouco mais de um ano, tive a possibilidade de enxergar, com olhos mais crus, a realidade do que, até então, eu via com olhos ingênuos nos serviços de reabilitação psicossocial. Para conseguir ver, foi necessário que me esfregassem a realidade nos olhos e que me sacudissem até sentir doloridas todas as minhas articulações. Foi uma experiência terrível. Fiquei sem chão. Me faltou o ar. Experimentei uma sensação inexplicável de morte.
De fato, algo morreu depois daqueles dias.
Hoje, alguém importante morreu. Essas letras custam a sair para compor tão duras palavras. Hoje, se foi alguém que representava uma possibilidade real de refazer a vida, de reabilitar os seres humanos. Não os que experimentaram a loucura e o tratamento para a loucura. Mas a possibilidade de reabilitar àqueles que tratam a loucura, que imaginam-se capacitados para entender e cuidar do louco. Foi-se alguém que acreditava e que usava sua sanidade para buscar construir uma outra relação com a loucura. Alguém que não conseguia engolir a seco as crueldades de uma sociedade que exclui, segrega, oprime, ofende, magoa, maltrata, não só aos ditos loucos, mas a todos que de uma forma ?louca? acreditam ser possível construir um outro mundo.
Fica um vazio. Um grito mudo. Um movimento inerte.
De certa forma, o mesmo vazio que senti há um ano atrás. Por outro lado, um vazio ainda mais profundo.
Sinto-me privilegiada pela convivência, pelo aprendizado, pela frágil força desta pessoa tão especial.
Espero que um dia, nós, os técnicos, os sãos, os racionais, possamos nos dar contar de que, quem precisa se reabilitar nessa relação somos nós e nossas teorias inúteis, estéreis e preconceituosas e que possamos aprender que o afeto, a convivência, a troca e o cuidado são as principais tecnologias a serem utilizadas nesse cotidiano com a loucura.

(Pelotas, 21/07/06)
Para o seu Almiro... saudade e respeito.

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